terça-feira, 22 de setembro de 2009


Toda coberta de insidioso musgo,
De espinheiros, toda inçada,
A pequena gaiola de Currer Bell*
Na tranqüila Haworth jaz.

Essa ave ao ver que as outras,
Quando a geada se fez cortante,
Migravam para novas latitudes,
Imitou-as simplesmente,

Mas diverso foi seu retorno;
Em Yorkshire, embora verdes as colinas,
A cotovia não se acha
Em todos os ninhos.

Pois que em seu vaguear o soube,
Getsêmani pode contar
A imensa extasiada angústia
Com que ela atingiu a flor mortal.

Suaves caem os sons do Éden
Em seu ouvido absorto –
Ó que entardecer no céu,
Quando Brontë lá chegou!

+*+*+*+*+*+*+*+*+*+*+*+*+*+*+*+*+*+

All overgrown with cunning moss,
All interspersed with weed,
The little cage of “Currer Bell”,
In quiet “Haworth” laid.

This bird, observing others,
When frosts too sharp became,
Retire to other latitudes,
Quietly did the same,

But differed in returning;
Since Yorkshire hills are green,
Yet not in all nests I meet,
Can nightingale be seen.

Gathered from many wanderings –
Gethsemane can tell
Through what transporting anguish
She reached the Asphodel!

Soft fall the sounds of Eden
Upon her puzzled ear –
Oh, what an afternoon for Heaven,
When “Brontë” entered there!

+*+Emily Dickinson+*+

* Pseudônimo de Charlotte Brontë

Raramente penso em ti.
Teu destino pouco me interessa.
Mas de minha alma ainda não se apagou
o brevíssimo encontro que tivemos.

Evito, de propósito, tua casinha vermelha,
tua casinha vermelha junto ao rio lamacento;
mas bem sei com que amargura
perturbo a tua ensolarada quietude.

Embora não te tenhas inclinado sobre mim
suplicando-me que te amasse,
embora não tenhas imortalizado
o meu desejo em versos dourados,

secretamente lanço encantamentos para o futuro,
sempre que as noites são de um azul profundo,
e tenho a premonição de um segundo encontro,
um inevitável segundo encontro contigo.

+*+Anna Akhmátova+*+
in Revoada branca [ Biélaia Stáia]
Canção do último encontro

Eu me sentia fria e sem forças
mas eram ligeiros meus passos.
Cheguei a pôr na mão direita
a luva da mão esquerda.

Pareciam tantos os degraus;
mas eu sabia que eram apenas três.
Em meio aos plátanos, o outono
murmurava: “Vem morrer comigo!

Fui enganado pelo meu destino
frágil, volúvel, maligno.”
E respondi: “Oh, meu querido,
eu também... morro contigo.”

Esta é a canção do último encontro.
De novo olhei a casa sombria.
No quarto apenas, brilhavam velas
com um fogo amarelado e indiferente.

+*+Anna Akhmátova+*+
Túmulos

Trovões distantes trazem
de um horizonte escondido uma tarde de chuva.

A chuva transforma a tarde
nas trevas da noite.

A noite traz de novo os amores perdidos,
uma ambição abandonada
o tremor das almas transidas no túmulo dos corpos.

+*+Hindemburgo Dobal+*+
in Ephemera
CÉU

Depois da chuva o cheiro verde de mato
toma conta da estrada. A luz da tarde lança
uma leve lembrança de flores escondidas.

Pássaros partem num vôo sem retorno
E subitamente a paisagem loteada
Desvela a certeza do céu.

+*+Hindemburgo Dobal+*+
in Ephemera
Dicionário da tarde

TARDE

Tédio
Temor
Tremor
Trevas

Tarde
Tíbia tarde
Turvo
Descruzar de caminhos

+*+Hindemburgo Dobal+*+
in Ephemera