quarta-feira, 23 de julho de 2008

Fragmento


Ele vem de um olhar que nunca será meu...
Como está para o Sol a luz morta da estrela,
a luz do próprio Sol está para o olhar dela...
Parece o seu fulgor quando o fito direto,
uma faca que alguém enterra no meu peito,
veneno que se bebe em rútilos cristais
e, sabendo que mata, eu quero beber mais...

+*+Menotti del Picchia ~ A Mandiga In Juca Mulato+*+

Texto na íntegra: http://www.revista.agulha.nom.br/mpicchia03p.html

sábado, 12 de julho de 2008

Ao leitor

Sempre tolice e erro, culpa e mesquinhez
Trabalham nosso corpo e ocupam nosso ser,
E aos remorsos gentis, nós damos de comer
Como o mendigo nutre a sua sordidez.

Frouxo é o arrependimento e tenaz o pecado,
Por nossas confissões muito é o que a alma reclama,
Voltado com prazer a um caminho de lama,
Crendo lavar as manchas com pranto amaldiçoado.

Junto ao berço do Mal é Satã Trismegisto*,
A nossa alma a ninar tão longamente invade,
Do precioso metal desta nossa vontade
Este alquimista faz um vapor imprevisto.

É o diabo que nos move através de cordéis!
O objeto repugnante é o que mais nos agrada;
E do inferno a descer sempre um degrau da escada,
Vamos à noite errar por sentinas cruéis.

Tal como um libertino que beija e mastiga
O seio enrrugado de velha vadia,
Furtamos ao acaso um oculta alegria
Que esprememos assim como laranja antiga.

Espesso, a formigar como um milhão de helmintos,
Ceva-se em nossa fronte um povo de avejões,
E quando respiramos, a Morte nos pulmões
Desce, invisível rio e com sons indistintos.

E se o estupro,o veneno, o incêndio e a punhalada,
Não puderam bordar com seus curiosos planos
A trama banal vã dos destinos humanos,
É que nossa alma enfim não é bastnte ousada.

No entanto entre lebréus, panteras e chacais,
Macacos e escorpiões, abutres e serpentes,
Os monstros a grunhir, ladrantes ou gementes,
Que são o nosso vício em infames currais,

Um existe mais feio e mais perverso e imundo!
Embora não se expanda em gestos ou me gritos,
De bom grado faria da terra só detritos
E num simples bocejo engoliria o mundo.

É o tédio! – os olhos seus que a chorar sempre estão,
Fumando o seu huka**, sonha com o cadafalso.
Tu o conheces, por certo, o frágil monstro, ó falso
Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão!

+*+Charles Baudelaire*+*+


Vocabulário


*Trismegistos - Cognome do deus grego Hermes e que os gregos davam também ao deus egípcio Tot. Trismegistos (do grego tri, três vezes, e megistos, máximo), isto é, máximo como sacerdote, como profeta e como rei.
**Huka - Cachimbo


*Charles-Pierre Baudelaire
* Paris, 9 de abril de 1821
+ Paris, 31 de agosto de 1867

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Se não falas

Se não falas, vou encher o meu coração
Com teu silêncio e agüentá-lo.
Ficarei quieto, esperando, como a noite
Em sua vigília estrelada,
Com a cabeça pacientemente inclinada.
A manhã certamente virá,
A escuridão se dissipará, e a tua voz
Se derramará em torrentes douradas por todo o céu.
Então as tuas palavras voarão
Em canções de cada ninho dos meus pássaros,
E as tuas melodias brotarão
Em flores por todos os recantos da minha floresta.

+*+Rabindranath Tagore+*+

* Calcutá, 7 de maio de 1861
+ Calcutá, 7 de agosto de 1941

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Interpretação

As palavras aí estão, uma por uma:
porém minha alma sabe mais
De muito inverossímil se perfuma
o lábio fatigado de ais.

Falai! que estou distante e distraída
com meu tédio sem voz
Falai! meu mundo é feito de outra vida
Talvez nós não sejamos nós.

+*+Cecília Meireles+*+