quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Sensation

Nas belas tardes de verão, pelas estradas irei,
Roçando os trigais, pisando a relva miúda:
Sonhador, a meus pés seu frescor sentirei:
E o vento banhando-me a cabeça desnuda.

Nada falarei, não pensarei em nada:
Mas um amor imenso me irá envolver,
E irei longe, bem longe, a alma despreocupada,
Pela Natureza ­– feliz como com uma mulher.
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Pas les beaux soirs d’été, j’irai dans les sentires
Picoté par les blés, fouler I’ herbe menue:
Rêveur, j’em sentirai la fraîcheur à mês pieds:
Je laisserai lê vent baigner me tête neu.

Je ne parlerai pas, je ne penserai rien…
Mais un amour immense entrea dans mon âme,
Et, j’irai loin, bien loin; comme un bohémien
Par la Nature, – heureux comme avec une femme!

+*+Arthur Rimbaud+*+
Imagem: Khimareus

terça-feira, 30 de dezembro de 2008


É tão acolhedor este cárcere,
Sua grade escura, tão branda –
Foi o Rei das Sombras, não um déspota,
O inventor desde descanso.

Se o Destino só isso oferece
Sem um reino acrescentar,
A prisão decerto é parenta,
O encarceramento – lar.
+*+*+*+*+*+*+*+*+*+*+*+*+
How soft this Prison is
How sweet these sullen bars
No Despot but the KIng of Down
Invented this repose
Of Fate if this is All
Has he no added Realm
A dungeon but a Kinsman is
Incarceration – Home.

+*+Emily Dickinson+*+

* Amherst - Massachusetts, 10 de dezembro de 1830
+ Amherst - Massachusetts, 15 de maio de 1886

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Eu cantarei de amor tão docemente

Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns termos em si tão concertados,
Que dois mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.

Farei que amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente.

Também, Senhora, do desprezo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor parte

Porém, pera cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa
Aqui falta saber, engenho e arte.

+*+Luís de Camões+*+

Imagem: Gustav Klimt - The Kiss

* c. 1524
+ Lisboa, 10 de junho de 1580

domingo, 21 de dezembro de 2008

Soneto de Separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se de amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente não mais que de repente.

+*+Vinicius de Moraes+*+

* Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1913
+ Rio de Janeiro, 9 de julho de 1980

Imagem: Eleuza de Morais
Soneto de Fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
A seu pesar ou seu contentamento

E assim, quanto mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

+*+Vinicius de Moraes+*+

* Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1913
+ Rio de janeiro, 9 de julho de 1980

sábado, 20 de dezembro de 2008


Eu queria trazer-te uns versos muito lindos

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais intimo de mim...
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teu olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia...
como
uma pobre lanterna que incendiou!

+*+Mário Qiuntana+*+

* Alegrete, 30 de julho de 1906
+ Porto Alegre, 5 de maio de 1944

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Versos Íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

+*+Augusto dos Anjos*+*+
In Eu

* Cruz do Espírito Santo- PB, 20 de abril de 1884
+ Leopoldina, 12 de novembro de 1914

*Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

[sem título]

Li um dia, não sei onde,
Que em todos os namorados
Uns amam muito, e os outros
Contentam-se em ser amados.

Fico a cismar pensativa
Neste mistério encantado...
Digo para mim: de nós dois
Quem ama e quem é amado?...

+*+Florbela Espanca*+*+
in Trocando olhares

* Vila Viçosa - Alentejo, 8 de dezembro de 1804
+ Matosinhos - Douro, 8 de dezembro de 1930

*Flor Bela de Alma da Conceição Espanca