domingo, 25 de maio de 2008

Mar Português

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

+*+Fernando Pessoa+*+

* Lisboa, 1888
+ Lisboa, 1935

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Não te amo

Não te amo, quero-te: o amar vem d’alma
E eu n’alma – tenho calma,
A calma – do jazigo.
Ai! não te amo, não.

Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida – nem sentida
A trago eu já comigo.
Ai, não te amo, não!

Ai! Não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.

Não te amo. És bela: e eu não te amo, ó bela.
Quem ama a aziaga estrela
Que lhe reluz na má hora
Da sua perdição?

E quero-te, e não te amo, que é forçado,
De mau feitiço azado
Este indigno furor.
Mas oh! Não te amo, não

E infame sou, porque te quero; e tanto
Que de mim tenho espanto,
De ti medo e terror...
Mas amar!... não te amo, não.

+*+Almeida Garret*+*+
in Folhas Caídas

*João Batista da Silva Leitão de Almeida

* Porto, 4 de fevereiro de 1799
+ Lisboa, 9 de dezembro de 1854

terça-feira, 6 de maio de 2008

Sonhos...

Sonhei que era a tua amante querida,
A tua amante feliz e invejada;
Sonhei que tinha uma casita branca
À beira dum regato edificada...

Tu vinhas ver-me, misteriosamente,
A horas mortas quando a terra é monge
Que reza. Eu sentia, doidamente,
Bater o coração quando de longe

Te ouvia os passos. E anelante,
Estava nos teus braços num instante,
Fitando com amor os olhos teus!

E, vê tu, meu encanto, a doce mágoa:
Acordei com os olhos rasos d' água,
Ouvindo a tua voz num longo adeus!

+*+Florbela Espanca*+*+
in Trocando Olhares

* Vila Viçosa - Alentejo, 8 de dezembro de 1894
+ Matosinhos - Douro, 8 de dezembro de 1930

*Flor Bela de Alma da Conceição Espanca