A cruz da estrada
Caminhoneiro que passas pela estrada,
seguindo pelo rumo do sertão,
Quando vires a cruz abandonada,
Deixa-a dormir em paz na solidão.
Que vale o ramo de alecrim cheiroso
que lhe atiras nos braços ao passar?
Vais espantar o bando buliçoso
das borboletas que lá vão pousar.
É de um escravo, humilde sepultura;
foi-lhe a vida velar de insônia atroz:
deixa-o dormir no leito de verdura
que o senhor entre as relvas, lhe compôs.
Não precisa de ti. O gaturamo
geme por ele à tarde no sertão,
e a juriti, do taquaral no ramo,
povoa, soluçando, a solidão.
Entre os braços da cruz a parasita,
num abraço de flores se prendeu.
Chora orvalhos a grama que palpita;
acende o vaga-lume o facho seu.
Quando à noite o silêncio habita as matas,
a sepultura fala a sós com Deus...
Prende-se a voz na boca das cascatas,
e as asas de ouro aos astros lá nos céus.
Caminhoneiro! do escravo desgraçado
O sono agora mesmo começou!
Não lhe toques no leito de noivado;
há pouco a liberdade o desposou...
+*+Castro Alves+*+
* Muritiba - BA, 14 de março de 1847
+ Salvador, 6 de julho de 1871
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