terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Eu que tenho no olhar...


Eu que tenho no olhar o incoercível dente
que aguilhoa a carne os sonhos bestiais,
e tenho as atrações nervosas da serpente
com que Jeová tentou nossos primeiros pais;

eu, a mulher perdida, a cínica indolente,
a torpe barregã* de olhos sentimentais,
que ando de mão em mão escandalosamente
como as cartas de jogo e os livros sensuais;

eu, negra flor do mal, silenciosa e calma,
eu, que cheguei a ter escrófulas** na alma
e abri um lupanar*** dentro do coração;

ao ver teu olhar, o teu olhar sombrio,
ó canalha gentil, ó pálido vadio,
eu, que desprezo o amor, amo-te, D. João!

+*+Guerra Junqueiro+*+

* Freixo-da-Espada- à-Cinta - Trás-os-Montes 17 de setembro de , 1850
+ Lisboa, 7 de julho de 1923

Vocabulário

*Barregã - Comcubina
**Escrófulas -
Localização primária de infecção tuberculosa em gânglios linfáticos do pescoço, e que se acompanha, com freqüência, de abscessos que se desenvolvem lentamente, e de fístulas.
***Lupanar - Prostíbulo

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