Livro de Horas
Aqui, diante de mim,
eu, pecador, me confesso
de ser assim como sou
me confesso o bom e o mau
que vão ao leme da nau
nesta deriva em que vou.
me confesso
possesso
das virtudes teologais,
que são três,
e dos pecados mortais,
que são sete,
quando a terra não repete
que são mais.
me confesso
o dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas
e o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser qualquer modo
andanças
do mesmo modo.
Me confesso de ser charco
e luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
que atira setas acima
e abaixo da minha altura.
Me confesso ser tudo
Que possa nascer em mim
De ter raízes no chão
Desta minha condição
Me confesso Abel e Caim.
Me confesso de ser eu,
Eu, tal e qual como vim
para dizer que sou eu
aqui, diante de mim.
+*+Miguel Torga+*+
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
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