quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Livro de Horas

Aqui, diante de mim,
eu, pecador, me confesso
de ser assim como sou
me confesso o bom e o mau
que vão ao leme da nau
nesta deriva em que vou.

me confesso
possesso
das virtudes teologais,
que são três,
e dos pecados mortais,
que são sete,
quando a terra não repete
que são mais.

me confesso
o dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas
e o das ternuras lúcidas e mansas.

E de ser qualquer modo
andanças
do mesmo modo.

Me confesso de ser charco
e luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
que atira setas acima
e abaixo da minha altura.

Me confesso ser tudo
Que possa nascer em mim
De ter raízes no chão
Desta minha condição
Me confesso Abel e Caim.

Me confesso de ser eu,
Eu, tal e qual como vim
para dizer que sou eu
aqui, diante de mim.

+*+Miguel Torga+*+


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