terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche* na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvessem tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mudo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

+*+Carlos Drummond de Andrade+*+
in Alguma Poesia

Vocabulário

*gauche - acanhado, inepto, esquerdo.

* Itabira, 31 de outubro de 1902
+ Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1987

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