Idealismo

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo
O amor na Humanidade é uma mentira.
É. E é por isso que na minha lira
De amores fúteis poucas vezes falo.

O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!
Quando, se o amor que a Humanidade inspira
É o amor do sibarita* e da hetaíra**
De Messalina*** e de Sardanapalo****?

Pois é mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
-Alavanca desviada do seu fulcro -

E haja só amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!

+*+Augusto dos Anjos*+*+
in Eu

Vocabulário

*sibarita - Diz-se de pessoa dada à indolência ou à vida de prazeres, por alusão aos antigos habitantes de Síbaris, famosos por sua riqueza e voluptuosidade.
**hetaira [hetera] - Na antiga Grécia, mulher dissoluta, cortesã; prostituta elegante e distinta.
***messalina - Mulher lasciva e dissoluta em excesso, meretriz.
****Sardanapalo [sardanapalesco] - Que vive na devassidão e no fausto, como Sardanapalo, personagem lendária (séc. IX a. C.) que, segundo a tradição clássica, teria sido rei da Assíria, semelhante aos costumes de Sardanapalo; que os lembra.

* Cruz do Espírito Santo, 20 de abril de 1884

+ Leopoldina, 12 de novembro de 1914

*Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos